terça-feira, 31 de julho de 2012

Férias a 3


Todos nós temos momentos preferidos na nossa vida. Não estou a falar de dias, nem sequer de horas, mas de segundos que nos revitalizam, que nos dão energia mas ao mesmo tempo nos pacificam.
Um desses momentos é, sem dúvida, aquele em que me apercebo que já não estou com dores de cabeça. Aqueles segundos em que penso "Porra, já acabou. Esta custou". Outro desses momentos acontece imediatamente depois de mergulhar no mar e podem perdurar até chegar à toalha. A sensação da água fria misturada com o calor é uma das melhores para mim. Isso e, se já estou morena e a celulite parece dar umas treguazinhas (quando estamos morenas parece que tudo fica mais bonito), ir a caminhar até à toalha com a clara noção que sou mesmo boa. Devaneio que passa assim que me sento na toalha e constato que a ginástica que fiz nos últimos meses não tirou o meu pneu de estimação.
A Praia de Almograve, em Odemira, nas férias que terminaram, foi um dos sítios onde dei mergulhos, água gelada por sinal, e caminhei pela praia em direcção à toalha satisfeita com a vida e a pensar "Agora ia mesmo uma bolinha de berlim".  

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Eu fui uma criança velha. Não fiz muitas travesuras, nunca fugi de casa e nem menti, dizendo que ia dormir a casa de uma amiga quando, na verdade, estava com um namorado ou numa discoteca qualquer. Sempre quis ser mais crescida do que era. Cinco anos e sete meses mais crescida, para ser exacta. Queria ser como tu. Exemplar aos meus olhos. Fisicamente eramos parecidos, mas não podíamos ser mais diferentes. Tu, calado, eu, tagarela. Tu, atleta, eu, preguiçosa. Tu, organizado, eu, um tufão. Tu, um herói, e eu? Eu, nada. Cresci a acreditar que era uma sombra de ti. Um clone mal feito.
Hoje? Fisicamente somos parecidos, mas não podíamos ser mais diferentes. Eu, realizada, tu, acomodado. Eu, forte, tu frágil. Eu correcta, tu, injusto. Eu feliz. E tu?

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Nasceste antes do tempo

Nasceste antes do tempo. Quando eu era ainda uma criança. Mas fingi-me de mulher, fantasiei-me de responsável, de forte, de mãe.
Nasceste antes do tempo. Quando eu ainda andava de mãos dadas com os meus pais e me sentava ao colo deles. Quando ainda não tinha visto nada, ouvido nada, experimentado nada,
sentido nada, amado nada, vivido nada.
Nasceste antes do tempo. E, se tudo acabasse agora, por teres nascido antes do tempo, eu teria me transformado numa mulher, responsável, forte, numa mãe. Se tudo acabasse agora, eu teria visto o melhor, o teu rosto, ouvido o melhor, a tua voz, “amo-te muito mãe”, experimentado o melhor, dar-te um beijo, sentido o melhor, um abraço teu, amado este amor tão grande e vivido para ti e por ti.
Sim, nasceste antes do tempo. E foi, e é, tão bom.



quarta-feira, 25 de julho de 2012

Da minha história de amor

Tenho a certeza que naquele momento o meu coração saltou uma batida. Muito magrinho, de olhos azuis brilhantes, com as sapatilhas sujas, como quem têm um par preferido e não o quer
tirar dos pés nem para dormir, e suado pelas brincadeiras no recreio da escola. Assim o vi pela primeira vez. Tímidos, olhamos um para o outro e sorrimos.
Como explicar que eu soube, naquele momento em que o meu coração saltou uma batida, que o rapaz de doze anos, parado à minha frente, mudaria a minha vida para sempre? Como explicar que, com apenas dez anos, no fundo daqueles olhos de mar, eu vi as marcas que um grande – o maior – amor iriam fazer na minha vida?
Quando cinco anos mais tarde o reencontrei, agora como colega de turma, o meu coração voltou a saltar uma batida. Expectativa, ansiedade de ir para a escola para me sentar perto dele, de me rir das suas piadas, de sentir o seu cheiro, El Charro, de olhar para o infinito do seu azul e pedir muito, em silêncio, “gosta de mim”.
Pediu-me para ser sua namorada, mas eu sempre soube que não o fazia por amor. Mesmo assim aceitei, claro. Como poderia eu recusar a oportunidade de o tentar tornar meu? De beijar a boca desejada há tanto tempo, com sabor a chupa-chupa de maça? Como deixar de mostrar, vitoriosa, a todos e a mim, que eu, uma personalidade forte, mas frágil, o tinha conquistado?
A minha felicidade foi tão grande que sentia o meu coração a bater com muita força, a querer saltar do peito. Eu sabia que ela ia durar muito pouco mas, mesmo assim, quis vivê-la.
Nunca o esqueci.
Durante os sete anos seguintes namorámos com outras pessoas e eu continuei a saber, não sei explicar como, que haveria um reencontro. E houve.
Há nove anos que, todos os dias, quando chego a casa e o vejo, o meu coração salta uma batida.
Continuo a saber, não sei explicar como, que é para sempre, que tinha de ser assim, que somos um do outro.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Gininha e Lurdinhas 01

- Não bebes, Gininha?
- Estou a beber, amiga. Até já tenho o copo vazio.
Entre as duas angolanas, o diálogo é o mesmo há mais de trinta anos. Lurdes, de pele mulata e gargalhada contagiante, gosta de companhia enquanto bebe as suas cervejas. O tempo não lhe revelou que a sua amiga só finge que gosta de álcool para não decepcioná-la, tendo sempre dois copos à sua frente, um de cerveja e um de refrigerante. Gina, de pele clara, cabelos loiros e abraços quentes, ludibria a sua melhor amiga bebendo de uma só golada os copos com a substância que tanto a desagrada, para sofrer tudo de uma vez.
A guerra atirou-as para uma cidade estranha, onde mulheres vestidas de preto se penduravam nas janelas para ver passar a vida dos outros. Naquela nova cidade era sempre Inverno, mesmo em Agosto, quando o sol aquecia a areia da praia e milhares de emigrantes regressavam à terra. Os amigos não frequentavam as casas uns dos outros e não se embebedavam ao som de Bonga.
- Gina, ainda tens cerveja? Ai tens? Mas vai buscar outra à tua amiga que estou cheia de sede.
Gina e Lurdes tiveram e têm vidas muito diferentes, apesar do amor que as une. São um
género de yin e yang, de super-herói e herói trágico, de pão e manteiga: só fazem sentido juntos, embora tão diferentes.
As pequenas rugas, o estômago já proeminente, as pernas cansadas, não deixam adivinhar a idade das duas amigas. Rindo e cantando, "Mariquinha, vem comigo pr'Angola", vivendo e chorando, sempre juntas, as duas mulheres que a guerra uniu ainda absorvem olhares masculinos e inveja feminina. Têm quase 60 anos e os corpos ainda se movimentam com a genialidade de outrora e quando as duas se juntam para dançar, todos se afastam para apreciar. Será a alegria de viver o segredo da juventude? Ou será que não procurar problemas onde não existem - porque eles encontram-nos quando querem, gostar das pessoas, deixá-las levar a bicicleta e só dramatizar quando a cerveja acaba, são as melhores vitaminas para a pele e para a alma?
Ainda a ver se me arranjo com isto do blogspot. Para muitos pode ser canja mas, para mim, que me estou a iniciar nisto, pode ser um bicho papão.

quarta-feira, 4 de julho de 2012